(...+) Com o sucesso, o cantor abandonou o blog e passou a usar o Twitter, mais ágil. Em notinhas diárias, ele conta onde está, como foi o show, pede votação em prêmios e divulga fotos de bastidores. Até o fechamento da revista, seu perfil tinha cerca de 800 mil seguidores.
Em abril de 2010, o humorista Bruno Mazzeo escreveu em seu Twitter: “Luan Santana, a versão vesga do Wagner Moura.” Em poucos minutos, o humorista foi bombardeado por milhares de mensagens indignadas de fãs do cantor. Mazzeo deu corda por dias e passou a se referir às garotas como “Talifãs”. Desconsolado porque a polêmica parecia estar perdendo fôlego, ele mandou o bom gosto às favas e chutou o pau da barraca: “Imagina se eu tivesse dito que ele era... enfim, deixa pra lá.” Fazia menção aos boatos persistentes que punham em questão a sexualidade do cantor, um rito de passagem que todos os aspirantes a galã devem atravessar. A origem do falatório foi um arquivo contendo uma suposta conversa on-line que correu a rede, na qual, com muito esforço interpretativo, supunha-se que Luan marcava um encontro romântico com outro rapaz. Desde então, Luan Santana parece fazer questão de propalar a sua masculinidade a plenos pulmões. No programa do Faustão, disse que transava incansavelmente com fãs, antes, durante (sim, durante) e depois dos shows. A edição do programa preferiu cortar o trecho. Exagero ou não, não faltariam candidatas caso ele resolvesse pôr em prática a rotina.
Numa tarde de sábado, um ruidoso grupo de dezoito adolescentes chamava a atenção no Parque da Água Branca, na Zona Oeste de São Paulo. Era uma reunião do Fã-Clube Luan Santana Team, agremiação com mais de 5 mil membros espalhados pelas várias sedes do país. No encontro, seriam sorteados um DVD, um caderno e um porta-CDs autografados pelo cantor. “Quando alguma de nós consegue entrar no camarim, a gente pede para o Luan autografar várias coisas para depois a gente poder sortear entre todo mundo”, explicou a presidente do fã-clube, Jenifer Fernandes, uma morena baixinha de 19 anos e cabelos alisados.
De acordo com Betina Gradim, da Redibra, empresa que licencia marcas como Cartoon Network, Os Simpsons e Ben 10 para reprodução em artigos de papelaria, brinquedos e comestíveis, a marca “Luan Santana” é a única cujo produto é uma pessoa. Atualmente, é a mais popular da empresa. Cadernos como o que Jenifer Fernandes sorteou costumam ser lançados no começo do semestre escolar, mas a gráfica Norma não quis perder tempo e, em setembro, fez chegar às lojas uma linha com o cantor na capa. Mais de 600 mil unidades já foram vendidas. A empresa de doces Riclan, que licenciou uma linha de chicletes com Luan estampado na embalagem, vendeu 56 milhões de unidades entre 29 de agosto e meados de novembro. São aproximadamente 7 chicletes por segundo.
O objetivo central da reunião extraordinária do fã-clube era divulgar a gravação do DVD do ídolo. Feito o sorteio, as dezoito meninas caminharam em ordem unida até o semáforo em frente à casa de shows Villa Country. Ali, seguindo uma coreografia previamente acertada, dividiram-se em três grupos. Era só o sinal fechar que duas delas desenrolavam uma faixa onde se lia “Pura Adrenalina! Gravação do DVD de Luan Santana dia 11 de dezembro no RJ”, enquanto outras duas filmavam a ação. As demais distribuíam folhetos com detalhes sobre o DVD.
Segundo Juliana Teixeira, uma jovem recém-formada em marketing que coordena a central de fãs de Luan Santana, há mais de 1 400 fã-clubes do cantor. “A logística dos fã-clubes mudou muito com a chegada da internet”, explicou, numa conversa por telefone. Antigamente, as garotas se afiliavam a um fã-clube central, organizado por fãs pioneiras e que se tornava referência para todas as outras. Hoje, com toneladas de informações disponíveis na internet, e com o próprio ídolo acessível em ferramentas como o Twitter, aconteceu uma quebra de hierarquia e muitas fãs criam seus próprios fã-clubes.
Juliana Teixeira trabalha no escritório de Luan Santana, numa sala que, segundo ela, é forrada de estantes repletas de ursinhos e corações de pelúcia, metros de declarações de amor e uma penca de calcinhas e sutiãs atirados pelas fãs durante os shows. Para um fã-clube ser considerado oficial, é necessário que possua pelo menos vinte membros e tenha uma comunidade do Orkut em seu nome. Cadastrados têm uma série de benefícios em relação aos fãs avulsos: podem ser sorteados para entrar no camarim do astro antes do show e ganham convites para programas de auditório em que ele se apresenta. Em contrapartida, espera-se que um fã dedicado trabalhe por Luan Santana. A função de Juliana Teixeira é propor concursos que são verdadeiras ações de marketing – por exemplo, quem mais divulgar a nova canção do ídolo no Twitter ganha entradas de graça para o próximo show.
Não era outra a razão da faixa estendida no semáforo do Parque da Água Branca: garantir alguns ingressos na plateia da gravação do DVD, que aconteceria dali a dois meses no Rio. Para isso, era necessário enviar para Juliana Teixeira o vídeo de uma mobilização pelas ruas. “Teve quem pintou carro, quem saiu com alto-falante”, contou a moça, que recebeu mais de 150 vídeos. “A nossa maior motivação é o Luan saber o nome do nosso fã-clube, sermos conhecidas pela produção dele”, explica Jenifer Fernandes, que se gaba de ter o número do celular de vários funcionários da produção do cantor. Viciada em passar as madrugadas investigando a vida de Luan Santana na internet, Jenifer bolou um plano quando, em janeiro de 2010, foi demitida do cinema em que trabalhava. Propôs à irmã que dispensasse a empregada e deixasse a faxina e o cuidado dos sobrinhos por conta dela. Na mesma ocasião, decidiu adiar o vestibular por um ano. O objetivo era não precisar sair de casa para poder se dedicar exclusivamente a Luan Santana.
Depois de meses de estudo, Jenifer Fernandes se tornou praticamente uma erudita do cantor. Com tamanho cabedal, fundou uma comunidade no Orkut, batizada desde o primeiro dia de Fã-Clube Luan Santana Team. Em pouco tempo já tinha o número mínimo de fãs para se oficializar. O plano deu certo. Jenifer não conhece pessoalmente mais de 2% das 5 mil afiliadas do fã-clube que criou.
Em janeiro de 2009, Anderson Ricardo alugou um andar inteiro de um prédio comercial na avenida Higienópolis, a mais importante de Londrina, há poucas quadras do antigo escritório de Fernando & Sorocaba. Amarildo, Marizete e Bruna, irmã caçula de Luan Santana, também se mudaram para a cidade paranaense. O pai Amarildo deixou o banco e passou a trabalhar no escritório do filho. Uma das primeiras iniciativas da equipe foi compilar material de divulgação de Luan Santana para enviar à Som Livre.
A gravadora da Rede Globo, que até quatro anos atrás se restringia a organizar trilhas sonoras de novelas, agora avançava em duas novas frentes: o lançamento de álbuns inéditos de artistas que já tinham laços com a emissora, como Chitãozinho e Xororó, e a criação do selo Som Livre Apresenta, o Slap, que imediatamente se transformou no objeto de desejo de artistas independentes com pretensões de emplacar uma música na novela ou de garantir uma participação no Faustão ou na Xuxa. O filão sertanejo deu particularmente certo e hoje já são mais de quinze artistas vinculados à gravadora.
Na maioria dos casos, o vínculo não vai além de financiar a gravação e a distribuição do álbum – contratos de longo prazo são coisa do passado. Dando certo, pensa-se num novo arranjo. Nos anos dourados da indústria fonográfica, um álbum de Leandro & Leonardo ultrapassava a marca de 3 milhões de cópias vendidas; hoje, com os downloads e a pirataria, um CD que atinja 50 mil cópias já é considerado um sucesso. Mudaram inclusive os parâmetros para que um artista receba um disco de ouro ou de platina. Até 2004, era necessário vender 100 mil álbuns para ter direito ao disco de ouro. Hoje, bastam 40 mil. No caso de platina, o patamar encolheu de 250 para 80 mil. Diante desse cenário desanimador, um entendido do ramo diz que a Som Livre só se vincula a artistas cujo champanhe já tenha sido chacoalhado – o papel da gravadora seria apenas o de sacar a rolha. Era exatamente o caso de Luan Santana.
Os coordenadores do Slap prestaram atenção ao material de divulgação preparado pela equipe do cantor. A recomendação de Sorocaba – à época, contratado da Universal e com algum prestígio no meio – também ajudou. Naquele mesmo janeiro de 2009, a gravadora despachou o coordenador musical Daniel Rigon a dois shows do cantor, com a missão de avaliar o seu potencial. “Ele já era o Luan Santana: os mesmos trejeitos, o mesmo gás. Só que pra 2 mil pessoas, em vez de 20 mil”, lembrou Rigon durante uma rápida conversa no Sertanejo Pop Festival, em São Paulo. Com seu parecer favorável, a Som Livre assinou um contrato para o primeiro DVD do cantor. A gravação reuniu um público de 85 mil pessoas em Campo Grande, e o lançamento foi agendado para fins de novembro, a tempo de chegar às lojas para o Natal.
Nos dias que antecederam o lançamento, os empresários da Som Livre começaram a perceber que tinham um sucesso extraordinário nas mãos. O burburinho nas redes sociais era incessante. Imediatamente, chamaram Anderson Ricardo para rever o contrato. A gravadora propunha um endurecimento das cláusulas em troca de exposição garantida na programação da Rede Globo. Anderson topou e a gravadora tentou emplacar uma participação do rapaz ainda em 2009, mas os programas de auditório já estavam em ritmo de férias. A oportunidade perfeita surgiu quando uma produtora do seriado para adolescentes Malhação recorreu à Som Livre atrás de um artista que pudesse suprir uma necessidade da trama. Uma personagem se tornava empresária musical e precisava de um cantor para empresariar. Era a proverbial azeitona na empada. Luan Santana ficou no ar durante uma semana e as vendas do DVD explodiram. Os programas de auditório vieram na sequência.
No dia 24 de outubro, Jenifer Fernandes caprichou na chapinha, vestiu a camiseta do fã-clube, calça jeans justa, bota de cano alto e saiu às 13h30 de sua casa em Itaquera. Encontrou algumas das garotas do Team no metrô da Barra Funda e seguiram juntas para a Chácara do Jockey, onde a Som Livre promovia o Sertanejo Pop Festival. Luan Santana era a atração principal e, de acordo com a programação, só deveria subir ao palco às 20 horas, mas as fãs queriam garantir um lugar na frente. Jenifer e algumas outras sortudas conseguiram ingressos para a área VIP, e de lá avistaram outras companheiras de fã-clube prensadas na grade da pista comum. Uma delas chorava copiosamente: era Aline Correa, de 16 anos. Jenifer nunca a conhecera pessoalmente, mas as duas trocavam quase diariamente impressões pela internet sobre a paixão comum que as consumia. (Aline se desespera só de pensar que talvez passe a vida inteira sem conseguir entrar no camarim de Luan. Sobre o fato de ser altamente improvável que realize o seu maior sonho – que é namorá-lo –, prefere nem imaginar.)
Compadecida com o sofrimento da amiga, Jenifer teve uma ideia sagaz. Assim que acabou o show da dupla Fernando & Sorocaba, que precedia o de Luan, ela deu um jeito de tirar a pulseirinha que lhe garantia a permanência no setor VIP, prendeu-a no bolso do casaco e caminhou até a grade que separava os afortunados dos infelizes. Chegando lá, acenou para um segurança que lhe pareceu simpático e foi logo fazendo amizade: “Está vendo aquela menina ali? Ela é minha amiga e está morrendo de frio. Você pode entregar esse casaco para ela, por favor?” Muito solícito, o segurança entregou o moletom para uma Aline perplexa. Despachada, Jenifer ligou para o celular da amiga: “Olha no bolso. E vem logo!” Enxugando as lágrimas, Aline disfarçou antes de sair pulando. Vestiu a pulseirinha, deu a volta e entrou na terra prometida. Muito branca e de cabelos escuros, Aline Correa podia se passar por parente de Luan Santana. Ela mora em Itapevi, subúrbio da Grande São Paulo, e se viu obrigada a interromper os estudos para trabalhar em período integral como caixa do McDonald’s.
(continua no proximo post..)
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