domingo, 20 de março de 2011

História do "Gurizinho" que virou idolo - Parte 2

(...+) Quando Luan Santana acordou, às 15 horas daquele sábado, 30 de outubro, seu secretário Roberval Lelis já tinha passado a ferro as duas trocas de roupas do cantor para o show de Montes Claros e encomendado o almoço na recepção do hotel. A excitação do espetáculo impede o jovem cantor de ir direto para a cama. Nas grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, ele costuma seguir para alguma noitada na companhia de famosos como o jogador de futebol Neymar, atores globais e ex-BBBs. Porém, nas noites tristes das pequenas cidades, Luan volta para o hotel e pede comida pelo telefone – geralmente pizza ou hambúrguer. E disso vive boa parte do ano, pois a maioria dos pernoites ocorre no interior do país. Ele raramente consegue dormir antes de o dia amanhecer. Para ocupar o tempo, fica diante da tevê, assistindo a filmes policiais ou de aventura, sempre com o notebook no colo. Corresponde-se com as fãs pelo Twitter e confere shows de outros artistas no YouTube.

Antes de ir para o quarto, Roberval Lelis combina o cardápio do almoço, que, para Luan, corresponderá à primeira refeição do dia. Como o cantor frequentemente muda de ideia em cima da hora, Lelis se defende encomendando dois pratos diferentes (ele comerá aquele que o patrão dispensar). Em Ipatinga, Luan escolheu filé executivo e Lelis pediu estrogonofe como plano B. No dia seguinte, a poucos minutos da chegada da refeição, Lelis acordou o cantor e, enquanto Luan tomava banho, fez as malas e pôs a mesa. Luan preferiu o estrogonofe.

O adolescente seguiu então para o saguão do hotel. Vestia boné, camiseta, calça jeans e tênis. Algumas dezenas de garotas o aguardavam com câmera e bloquinho na mão. Estavam lá há horas, e Luan as cumprimentou com profissionalismo, embora de maneira protocolar e tentando disfarçar o sono. Chegando ao aeroporto, a cena se repetiu, moças o esperavam. Dali, ele seguiria para Montes Claros, onde desembarcaria e seria despachado diretamente para o show. A banda já o estaria aguardando. A equipe que viaja por terra havia saído de Ipatinga na noite anterior a bordo de dois ônibus embalados de lado a lado com um adesivo de vinil que reproduz o rosto do cantor. Viajavam uma parte da banda, duas backing vocals e a produção. Seguiam também duas carretas para o transporte do cenário e das máquinas de efeito especial, além da estrutura na qual Luan sobrevoa a plateia durante a música Vou Voar. Os quase 600 quilômetros entre as duas cidades seriam percorridos em menos de quarenta minutos pelo jatinho; a carreata levaria quase doze horas.

Os pais Amarildo e Marizete Santana incentivaram os dotes do filho desde que ele começou a solfejar as primeiras notinhas. Entre as muitas fitas que guardaram para a posteridade, há um vídeo em que se vê o menino Luan, então com 5 anos, atracado a um violão a cantarolar o que tudo indica ser o opus 1 de sua obra, uma composição minimalista na qual o verso “O violão tá pesado!” é repetido inúmeras vezes. Aos 9 anos, o meninote começou a ter aulas do instrumento, mas desistiu logo. “Meu negócio sempre foi cantar, eu não queria ser violeiro. Pedi apenas para aprender os acordes necessários para acompanhar a voz”, disse.

Luan Santana tinha 14 anos quando foi apresentado à compositora Elizandra Santos, então com 30, cujo currículo incluía mais de 100 canções que haviam sido gravadas por duplas da região. “Eu me encantei com ele, que já tinha uma voz muito bonita”, lembrou Elizandra numa conversa por telefone. Ela permitiu que Luan começasse a ensaiar algumas de suas composições. Em 2006, Amarildo Santana, o pai, organizou um churrasco em Jaraguari, cidadezinha próxima de Campo Grande, e carregou toda a parentela para ver Luan cantar e tocar violão. Elizandra Santos levou um amigo produtor, Frank Ferreira, e eles gravaram o áudio da apresentação.

O adolescente ficou decepcionado com a qualidade técnica da gravação – bastante ruidosa – e, desgostoso, partiu em dois o seu CD. Frank Ferreira não ficou totalmente descontente com o resultado e divulgou o trabalho. Distribuiu o disco por carros de som que faziam propaganda pelas cidades da região e colocou no YouTube uma das faixas, Falando sério, com crédito de “Gurizinho”, sem mais detalhes. Passado quase um ano, Luan Santana recebeu um telefonema. Era um radialista de Bela Vista, interior de Mato Grosso do Sul. “Você é o maior sucesso aqui!”, anunciou, para surpresa do menino. “Ele queria que eu fizesse um show e garantia um público de mil pessoas”, lembrou Luan, no jatinho. Como era menor – tinha 15 anos – “Gurizinho” disse que não podia decidir sozinho, e pediu ao radialista que retornasse à noite, para tratar com o pai. Amarildo Santana ficou radiante. Combinou-se que Elizandra Santos, que nutria pretensões de virar cantora, faria uma pequena participação.

No dia da apresentação, havia alguém na plateia que viria a ser determinante para a carreira de Luan Santana. Anderson Ricardo, um rapaz de 26 anos, muito branco e de olhos azuis, vira “Gurizinho” no YouTube e ficara intrigado. “Eu percebi que era um produto diferente: um menino cantando sertanejo sozinho”, lembrou com voz pausada e grave. Terminado o show, Anderson procurou Amarildo Santana e disse que gostaria de ser o novo empresário de Luan. “O Anderson falou que a Elizandra queria se vender junto comigo, que não tinha nada a ver”, lembrou o cantor. “Eu tinha que seguir nessa sozinho, e ele podia me preparar para isso.” Amarildo gostou da conversa, e assim foi feito.

A apresentação abriu as portas para novos convites. Anderson Ricardo tratou de regravar o CD ruidoso, repetindo o mesmíssimo repertório. Na capa, além de “Gurizinho”, impresso em letras garrafais, apareceu também, pela primeira vez, o nome “Luan Santana”. As coisas começaram a dar certo. Foi nessa época que o cantor ouviu Falando sério, a composição de Elizandra Santos que o lançara, interpretada por João Bosco & Vinicius, uma dupla já consolidada. Como eles gravariam outras três canções da compositora que também faziam parte do repertório do jovem cantor, Anderson Ricardo e Luan acreditam que Elizandra Santos passou adiante suas músicas como forma de retribuição pelo descaso com que julgou ter sido tratada. Ela nega. “João Bosco & Vinicius já tinham gravado essas músicas, só não tinham lançado ainda. Luan também não foi o primeiro a gravar Falando sério, nem tinha exclusividade sobre ela”, diz. Elizandra não esconde a mágoa por ter sido afastada da carreira do garoto. “Eu fui a primeira a enxergar o potencial dele, o Anderson já pegou tudo mastigadinho”, lamentou. “Aqui em Mato Grosso do Sul, todo mundo acha que ele cuspiu no prato que comeu, porque saiu por aí dizendo que o primeiro CD foi produzido numa boca de porco, num fundo de quintal. É duro ver sua dedicação jogada no lixo.”

Enquanto não encontrava material inédito para Luan, Anderson Ricardo procurou atacar outras frentes. Dedicou-se a popularizar o menino e adestrá-lo para a fama. Agendou o maior número possível de shows nos fins de semana e criou uma promoção em parceria com o jornal Diário do Pantanal – “Leve o Luan Santana para a sua escola” –, que permitia a colégios inscritos receber o cantor para um show gratuito. Durante a semana, treinava Luan a interagir com a imprensa. Entrevistava-o dia após dia, ensinando como devia responder a todo tipo de pergunta. “Eu vim do rádio, sei o que as pessoas querem ouvir”, conta Anderson. Para perguntas da categoria “vida cotidiana”, como, por exemplo, “O que você detesta?”, o empresário treinou Luan Santana a apelar para o humor: “Carne moída” (podia ter sido água mineral, ou bolacha de água e sal). Ao se apresentar pelo interior do país em festas da uva, do morango, do marisco ou do shiitake, Luan aprendeu a sempre responder que a comida celebrada era a sua favorita. “Ninguém precisa acreditar, mas todo mundo acha graça”, ensinou Anderson Ricardo. Ele também estimulou o cantor a criar um blog para divulgar os seus shows e manter contato direto com as fãs que começavam a se materializar.
Os resultados não vieram e, depois de um show em Maringá para um público de apenas vinte pessoas, Luan pensou em desistir.

Em outubro de 2008, Luan Santana escreveu no seu blog: “Sexta show em Brusque... massa demais. Eu tava meio nervoso mas deu td certo graças a Deus. Eu ia abrir o show do Fernando & Sorocaba, eles iam ta la me vendo... ahushaushau... os cara são fera... e tamo ai agora na parceria.” Em sua tacada mais certeira, o empresário Anderson Ricardo conseguira que um amigo o pusesse em contato com a dupla Fernando & Sorocaba, dois músicos respeitados no meio e com uma boa estrada já percorrida. O paulista Fernando Fakri, o Sorocaba, apelido que homenageia a cidade onde se criou, e seu xará rondoniense Fernando Zorzanello concordaram que o garoto abrisse o show deles no interior de Santa Catarina. Passado menos de um mês, Luan Santana publicaria no blog a letra de uma música nova, Tô de cara: “É uma composição do Sorocaba! Valeu Soroca!!” Muito mais animada que as baladas românticas de Elizandra Santos, a letra não passava da reiteração de uns poucos versos, e a melodia compensava a pouca imaginação com o uso pesado de guitarra e bateria. A exemplo do axé baiano, o ritmo era sob medida para animar as multidões. Depois de Tô de cara, Luan nunca mais faria um show sem pedir que o público tirasse o pé do chão e jogasse os braços para o alto.

Numa conversa telefônica em meados de novembro, Sorocaba contou que músicos estabelecidos frequentemente furtam sucessos de iniciantes, processo que ele chama de “matar no ninho”. Para evitar que isso acontecesse com Luan Santana, ele começou a compor exclusivamente para o adolescente, e a produzir suas músicas “pensando no perfil dele, com um papo teen”. Era um contrato comercial. Em contrapartida, 20% de todo o lucro que o jovem cantor auferisse dali por diante seria de Sorocaba. O acordo também previa que Luan Santana abrisse os shows da dupla. “Muita gente torceu o nariz. Me perguntavam por que deixamos um moleque de tênis dividir o palco com a gente”, contou. “Ele cantava bem e conhecia muita música de raiz, talvez até mais do que eu.” Sorocaba acreditava que Luan atrairia outro tipo de público: jovens que não tinham o costume de ouvir sertanejo e, principalmente, meninas adolescentes, que comprovadamente têm o hábito de comprar mais CDs.

Sorocaba compôs outras duas canções para o garoto: A louca e Meteoro. Esta rapidamente se tornaria o maior sucesso de Luan Santana. Anderson Ricardo e Sorocaba gravaram um novo CD, Tô de Cara, distribuído à larga para contatos de rádios e para quem mais levantasse o braço demonstrando interesse. Afora o download gratuito na internet, estima-se que mais de meio milhão de CDs tenham sido distribuídos. Os shows cresciam a olhos vistos e grandes contratantes do ramo começaram a procurar o empresário para comprar datas futuras na agenda do cantor, uma prática do mercado que se assemelha a apostar em opções futuras da Bolsa. Influenciado pelo excesso espalhafatoso dos espetáculos de Fernando & Sorocaba, que empregavam fogos de artifício e rolavam sobre o público dentro de bolhas de plástico, o rapaz começou a investir na produção de seus shows.

Luan Santana pula, dança e rebola sobre o palco, e não é econômico no uso de efeitos especiais: há jatos de fogo e papel picado, e também o tal voo sobre a plateia durante a música Vou voar, ocasião em que o cantor é suspenso por um cabo de aço. A certa altura, Luan anuncia que trouxe um presente para as fãs. Finge então procurar alguma coisa nos bolsos, não encontra e finalmente ergue as mãos em forma de coração. É imediatamente imitado pela plateia, que solta um suspiro orfeônico. O momento mais aguardado acontece durante a canção Chocolate, composta por ele próprio: “Seu olhar é o meu Sonho de Valsa/ É o doce que eu sempre quis,/ Meu Prestígio é estar com você/ E pedir sempre Bis” – os versos seguem assim, num verdadeiro compêndio da chocolataria nacional, e uma jovem da plateia é escolhida para subir ao palco, abrir a boca e receber, das mãos do próprio príncipe, um bombom.
(continua no proximo post....)

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