domingo, 20 de março de 2011
História do "Gurizinho" que virou Idolo - Parte 1
A construção de Luan Santana, o maior vendedor de CDs do país:
Na noite de 28 de agosto, as rodovias que davam acesso à cidade de Barretos, no interior de São Paulo, pararam. A fila de carros se estendeu por 12 quilômetros e durante quatro horas ninguém saiu do lugar. As rádios da região pediam que as pessoas desistissem de ir à Festa do Peão, e anunciavam que a organização se comprometia a reembolsar quem comprara ingressos antecipadamente. Alguns motoristas tentavam fazer o retorno pelo acostamento. Outros, mais obstinados, chegaram a pagar até 100 reais por uma vaga em postos de gasolina à margem da pista e dali seguiram a pé. Dentro do Parque do Peão, uma multidão quebrou o alambrado e invadiu a arena onde são organizados os rodeios e os principais shows da festa, ultrapassando em pouco tempo a lotação máxima permitida pelas autoridades. Ao perceber que não dariam conta da confusão, os seguranças do parque acionaram a Polícia Militar, que chegou com a cavalaria para barrar a entrada de mais pessoas. Indignadas e exibindo os ingressos que tinham na mão, muitas tentavam furar o bloqueio e eram imobilizadas com gás de pimenta. Marcos Murta, o presidente do grupo que organizara a festa, precisou de um helicóptero para chegar a tempo de anunciar a entrada no palco de Luan Santana, o jovem de 19 anos responsável por tanta comoção.
As 60 mil pessoas que conseguiram ocupar a arquibancada e a arena viram surgir por trás de jatos de fogo e fumaça um jovem branquelo de cabelos arrepiados que dava socos no ar. “Te dei o sol/ Te dei o mar”, puxou – e o trabalho estava feito, pois a multidão completou sozinha: “Pra ganhar seu coração/ Você é raio de saudade/ Meteoro da paixão/ Explosão de sentimentos/ Que eu não pude acreditar/ Ah! Como é bom poder te amar!”
Pela próxima hora e meia, o rapaz cantou para uma plateia que lhe devota uma paixão cuja intensidade poucos artistas brasileiros são hoje capazes de despertar. Trata-se de um capital emocional acumulado em pouco tempo. “Dois anos atrás”, disse Luan a seus fãs, “nós pagamos 3 mil reais para nos apresentar num palco alternativo aqui em Barretos. Eu e a equipe ficamos hospedados num único chalé e usávamos até o mesmo banheiro.” Diante dos gritos histéricos, deu o golpe de misericórdia: “Mas nunca desistimos de sonhar e ‘só quem sonha pode alcançar’”, paráfrase motivacional de um verso de Meteoro, a canção com que abrira o show.
“Eu juro que nunca imaginei que ia fazer tanto sucesso, e tão rápido”, disse Luan Santana entre colheradas de cereal Nescau Ball com leite Ninho, num voo entre Ipatinga, no coração de Minas Gerais, e Montes Claros, no norte do estado. “Eu achava que ia acabar formando uma dupla, e que tinha aí uns bons dez anos de estrada para começar a fazer algum sucesso.” Nascido em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, filho de pai bancário e mãe dona de casa, Luan era um adolescente que arranhava alguns acordes no violão e cantava afinado nos churrascos de família. Isso foi há cinco anos. Hoje, ele é uma pessoa jurídica com mais de 60 funcionários na folha de pagamento. Cobra cerca de 500 mil reais por show – como fez 306 em 2009 e 250 em 2010, Luan Santana movimentou quase 300 milhões desde que estourou. A cifra não inclui a venda de 200 mil DVDs, 400 mil CDs e a miríade de produtos licenciados em seu nome. “A gente não fala em valores por questão de sigilo e até de segurança”, disse o empresário do cantor, Anderson Ricardo. “Mas você precisa levar em conta que todos os custos de produção, transporte e pessoal saem do nosso bolso.”
André Midani, um dos maiores executivos da história da indústria musical brasileira, calcula que Luan Santana não deva lucrar menos de 2,5 milhões de reais por mês.
A rotina de trabalho de Luan Santana não lhe permite visitas frequentes à família. “A ideia de voltar pra casa é esquisita, porque uma parte da família está em Campo Grande, mas meus pais e minha irmã agora moram em Londrina, numa casa onde estive muito poucas vezes”, disse o cantor a bordo do jatinho Phenom 100, da Embraer. A aeronave fora alugada provisoriamente de um empresário paranaense, porque o jato oficial estava em manutenção nos Estados Unidos. Pintado com sua logomarca – Luan Santana, com o S lembrando uma clave de sol ao contrário –, o avião agora no estaleiro recebeu dele o apelido de “Bicuço”. “É o nome de um personagem do Harry Potter, meio ave, meio cavalo”, explicou. Os seis volumes sobre a história do bruxinho foram transferidos para o jatinho provisório. “Já li pelo menos três vezes cada um deles.” Nos revisteiros ao longo do avião, havia também A Menina que Roubava Livros, um livro para o público juvenil sobre uma garota afastada dos pais na Alemanha nazista, além da edição em 3D da Playboy com a paraguaia Larissa Riquelme na capa. “Às vezes eu acho que vou sentir falta de aproveitar essa fase da minha vida pra sair com os amigos, passear e namorar mais”, remoeu. “Se a gente conseguisse manter uma média de quinze shows por mês, como agora em outubro, já seria melhor e daria tempo de fazer tudo isso.”
O ritmo diminuiu porque o cantor precisou se preparar para a gravação do seu segundo DVD, marcada para 11 de dezembro, no HSBC Arena, no Rio de Janeiro. Tendo renovado o contrato com a Som Livre, Luan Santana convidou artistas consolidados para subir ao palco com ele, como Ivete Sangalo e seus ídolos Zezé di Camargo & Luciano. “Sempre ouvi muito sertanejo em casa, sei diferenciar a toada do chamamé e a guarânia da catira”, garantiu, batucando na perna para marcar os diferentes ritmos.
Apesar de conhecer as origens do sertanejo, há controvérsias sobre o seu pertencimento ao gênero. Tradicionalistas dizem que não há nada de sertanejo ali, uma vez que seu repertório soa muito mais à música pop. Luan Santana é o maior expoente de um gênero apelidado de “sertanejo universitário”. Não existe consenso sobre a origem do nome, mas a versão mais bem aceita é que o ritmo, mais acelerado e pop do que o sertanejo tradicional, teria nascido nos barzinhos que proliferam nas imediações de faculdades do interior do país. Luan rejeita o rótulo – “Nem universidade eu fiz ainda!” – e diz que o que faz é sertanejo e ponto. No livro Música Caipira: Da Roça ao Rodeio, Rosa Nepomuceno conta que quando Chitãozinho & Xororó estouraram, no começo dos anos 80, “os puristas inventaram adjetivos pouco amigáveis para defini-los, como sertanojos”. Igualmente atacado quando apareceu na cena muito à vontade dentro do seu chapelão de caubói, Sérgio Reis é generoso com as novas gerações. Em conversa por telefone, o cantor de Pinga ni mim fez elogios rasgados a Luan Santana – “um fenômeno”. “Ele tem potencial de voz, boa imagem e presença de palco. Mas o sucesso não é só isso, você precisa enxergar a retaguarda, a produção, a administração da carreira”, disse. “Já estava na hora de alguém voltar a cantar sozinho, esse negócio de dupla ficou repetitivo.”
A escolha do Rio de Janeiro para a gravação do segundo DVD de Luan Santana não foi tomada de forma inocente. Representa uma ocupação de território, uma bandeira fixada na capital do único estado que se mostrou refratário à febre das duplas sertanejas nos anos 80 e 90. Luan chegou ao topo das paradas nas rádios populares cariocas, como a FM O Dia, e as classes mais abastadas também entraram na dança. Casas noturnas da moda, tais como a Nuth e a Melt, passaram a oferecer uma noite sertaneja por semana, e cariocas bronzeadas de camisa xadrez, shortinho e bota cantam e rebolam ao som de Meteoro.
Atento à lógica do comércio musical, que desde o advento da MTV estabeleceu que um bom rosto é tão, se não mais importante, do que uma boa voz, Luan Santana já havia removido o aparelho dos dentes antes da gravação do primeiro DVD. Com o sucesso arrebatador que se seguiu, outros detalhes da apresentação visual receberam estudada atenção. Os poucos fios de barba que ele removia periodicamente com cera receberam um tratamento definitivo a laser. O gel que usava nos cabelos, de baixa qualidade – era facilmente confundido com suor – foi substituído por uma pomada seca que facilita a fixação escultórica de seu cabelo meticulosamente atrevido. O tênis foi mantido, apenas se tornou mais colorido. São dados pela Nike. O tradicional uniforme jeans justinho e camiseta ganhou versões 3.0. Erica Folloni, produtora de moda da revista Capricho, foi contratada para se desfazer do que havia de mais sem graça no guarda-roupa do cantor e preencher o vazio com peças dignas de um neoastro. Depois de uma rápida olhada no que estava à mão, Erica tirou as medidas de Luan, embarcou para Nova York, comprou a valer e voltou direto para Londrina, sede do negócio da família. Lá montou diferentes combinações, todas fotografadas e dispostas num banco de dados. Do computador, Luan escolhe o figurino para os próximos shows, e a mãe, dona Marizete Santana, despacha os conjuntos num saco plástico.
(Continua no proximo post..)
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